quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Aforismos Diversos

I. " Se você deseja conhecer uma pessoa a fundo repare na profissão dela. Talvez seja um indício de como ela enxerga e se posiciona no mundo:
Um mendigo vê o mundo das margens da sociedade; um militar é disciplinado e inflexível, não poucas vezes, violento; um filósofo tudo investiga por meio do intelecto, tentando perceber os mecanismos internos e externos de toda e qualquer questão, muitas vezes possuindo uma visão peculiar sobre cada questão e se sentindo deslocado do mundo; um médico vê figados e rins, doenças e curas; uma senhora de alta classe vê esmaltes, festas e seu próprio nariz empinado e enrugado; um pastor vê a Cruz e o mistério; um voluntário vê o mundo pelas lentes do altruísmo, e assim por diante.
Dizer que um filósofo pode se relacionar com um mendigo da mesma maneira que se relacionaria com um médico é no mínimo equivocado. Ou dizer que uma senhora da alta classe se relacionaria com a dona da boutique da mesma forma que se relaciona com o pastor, também é um engano. E achar que um compreende o outro daí é escorregar na casca de banana. Sem sombra de dúvida, alguém está mais ou menos próximo de compreender e bem se relacionar conforme sua profissão".

II. "Quem só possui virtudes, não é humano. Está mais próximo dos santos ou dos anjos. Por outro lado, quem só possui vícios também não é humano, estando mais próximo dos monstros ou demônios. Humano é aquele que possui muitos vícios e muitas virtudes (tudo misturado).
Como dizia Lutero: há virtudes que nos afastam de Deus, mas há vícios que nos aproximam Dele com o coração contrito (menciono de cabeça).
O homem que consegue cumprir todos os seus deveres, embora seja uma pessoa reta, por causa do orgulho, não conquista verdadeira intimidade nem com seu próximo, nem com Deus. Pois a todos olha com ar de superioridade.
Já, o homem errante, que peca demasiadamente, mas que por causa da disposição humilde, reconhece seus fracassos, pode conquistar verdadeira intimidade tanto com Deus como com o próximo. Pois se relaciona com todos humilde e equanimemente".

III. " No trabalho o homem deixa de pensar, criar, produzir com 'P' maiúsculo. E, no ócio, na preguiça, ele consegue divagar, dar cores aos sonhos, ter ideias brilhantes. Salvo engano, as grandes ideias que mudaram o curso da história surgiram em momentos de ócio e de preguiça".

IV. "Quem não tem 2/3 de seu tempo livre, é escravo! Pode ser um escravo-proletário, escravo-banqueiro, escravo-magnata. E, quando foi mesmo abolida a escravidão?! (salvo engano, Nietzsche disse a mesma coisa só que com palavras mais pomposas)".

V. Por detrás da ideia de DIGNIDADE DO TRABALHO está a ideia de EXPLORAÇÃO. Mas dela ninguém fala, porque é indigno mencioná-la. A Exploração, esta dama que se esconde nas saias da "dignidade"

VI. AFORISMOS SOBRE O DINHEIRO:
(i) Qual a real diferença entre um banqueiro e um agiota? Que o primeiro é um ladrão mais esperto que se protege mediante as leis e faz acordos com o governo.
(ii) Qual a real diferença entre um assaltante e um mercador (comerciante)? Que o primeiro é mais honesto ao dizer "isso é um assalto!". E, o segundo é mais esperto, pois se protege atrás das leis "justas" da oferta e da procura.
(iii) Logo, o agiota e o assaltante são mais honestos ao dizer o que estão fazendo. E, o banqueiro e o mercador são mais espertos, ao fingir o que NÃO estão fazendo, isto é, roubando e enganando.

VII. IGREJA NÃO É EMPREENDEDORISMO:
"Quanto aos mega-templos, é preciso que se diga: uma mega-igreja jamais será uma comunidade cristã.
Uma comunidade cristã deve ter no máximo 100 membros. Para que todos se conheçam e tornem-se uma família, fortalecendo em Cristo os laços de amor fraterno. Cada um deve conhecer o outro pelo nome, conhecer suas qualidades, virtudes, suas manias e vícios.
Igreja, comunidade cristã, não pode ser empresa. Igreja não combina com empreendedorismo. Igreja é amor, união fraterna, um membro precisa conhecer o outro pelo nome, tomando ciência de suas necessidades e aflições.
A lógica do empreendedorismo não pode ser aplicada à Igreja de Cristo, porque tão logo aplicada, a comunidade alarga suas medidas e deixa de ser comunidade. Torna-se um lugar onde o amor não habita, pois ninguém conhece ninguém pelo nome e a empatia vai se esvaindo do lugar. Quando menos se percebe, o irmão não sabe quem é aquele que está logo ao lado, a orar. E, como orar sem comunhão?
O amor fraterno deu lugar ao dinheiro e a Igreja de Cristo virou um mercado escuso. Se Jesus estivesse entre nós, entraria nos mega-templos com chicote, como fez no templo de Jerusalém.
A lógica do capital jamais será a lógica de Cristo".

VIII. "Quando alguém está doente, deve procurar um médico. Pois nesse caso, procurar qualquer pessoa que não um médico, equivale a cometer equívoco grave. O mesmo ocorre quanto alguém sente-se aflito ou angustiado, devendo procurar um filósofo. Somente o filósofo poderá esclarecer quais os males existenciais que acometem tal pessoa.
Mas, infelizmente, quando pessoas se sentem angustiadas, aflitas ou infelizes, elas buscam uma loja, sapatos da moda, carros e riqueza material. É semelhante ao doente que ao invés de buscar um médico, busca um amigo, que por mais íntimo que seja, não poderá fazer nada senão dar palpites equivocados e quiça, desastrosos".

IX. A SEGURANÇA AO AVESSO
i. Os lugares mais seguros nunca foram as fortificações. More em uma cabana e ninguém quererá assaltá-la. E assim, você encontrará paz.
ii. Tenha um fusca ou um brasília, e não temerá a violência nem a cobiça.
iii. Se quer se sentir protegido e seguro, viva de maneira simples e sem ostentação. Ficará seguro contra toda violência humana.


X. VAGABUNDOS ILUSTRES:
Sócrates: Vivia perambulando pelo centro comercial da cidade grega de Atenas, constatando de que os artigos vendidos por ali, não eram necessários à manutenção da vida. Ficava arguindo os atenienses sobre os mais diversos assuntos, entretendo e deixando-se entreter. Andava com roupas simples e alparcas. Além de ter se casado com uma mulher que só fazia encher o saco e não lhe deixava perambular, conversar e filosofar à vontade. Afinal, de tudo que a cidade proporcionava, ele parecia já estra satisfeito com tão pouco, empregando o resto do tempo e da vida aos assuntos realmente importantes - a filosofia e as questões fundamentais da vida, como por exemplo, tentar definir o que é o amor, a justiça, a amizade e a política.
Diógenes: Consta que possuía apenas uma túnica, um alforge e que se abrigava em um barril. Satisfazendo-se com um único prato de lentilhas por dia. Debochando da complexa sociedade civil, e a hipocrisia que lhe cercava, resolveu sair dela e viver com o estritamente necessário - um barril, um prato de comida por dia, uma túnica e um alforge.
Epicuro: ensinava de que o melhor é ter uma vida de prazer (mas neste caso, prazer quer dizer, moderação). Veja: se alguém come demais ou faz sexo demais, não terá mais prazer, senão que terá desgaste físico e desprazer. A vida prazerosa, ensinava Epicuro, é uma vida onde se possui o necessário e se tem moderação. Comendo só o tanto para ter prazer, conversando com amigos, fazendo sexo e etc, tudo com moderação (porque na des-moderação e no exagero, há sempre o risco de deixarmos o prazer e cairmos no desprazer e desconforto).
Dentre outros sábios...

XI. EM DEFESA DA FAMÍLIA (?):
Quando os membros da bancada evangélica defendem a família, e se colocam contra gays, lésbicas e afins, faz-se necessário explicitar a que modelo de família eles desejam defender: o modelo burguês de família.
O modelo burguês de família pode ser comparado a uma fábrica. O pai é o chefe. Ele mantém tudo e sustenta, mas ele também manda. Lembremos do dito popular: quem paga manda! Não precisa ter muita erudição para saber disso. Então, o pai é o chefe, os filhos e a mulher são parte sua, uma espécie de extensão do chefe. Poderiam ser comparados às máquinas da fábrica, como se fossem sua(s) propriedade(s). Ou, comparados aos empregados que lhe obedecem.
Mas por que digo isto?! Porque o discurso da bancada não o diz, induzindo até mesmo pessoas pobres, proletárias e não-burguesas, a adotarem uma causa que não é a delas. Elas comumente não possuem grana, tampouco bens e estão pouco se lixando pro ideal de família burguês (embora na maioria das vezes, só saibam disso intuitivamente, sem precisar racionalizar um outro discurso).

OUTROS MODELOS DE FAMÍLIA:
1. Nos tempos antigos, a vaca, o cavalo e o burrinho eram membros da família, tamanho o afeto que os humanos sentiam por estes bichinhos. O cavalo não era apenas meio de transporte, senão que possuía nome e era tratado com pessoalidade. A vaca, semelhantemente. Gratos não só por seu leite, mas acalentados por sua companhia. E, com o burrinho, ocorria o mesmo.
2. Na Idade Média, os escravos (apesar de serem escravos) eram membros da família e dormiam no mesmo cômodo de seus senhores. Cuja única divisória era um véu que se fechava por volta de toda a cama.
3. E, hoje, há também diversos modelos de família: homem, mulher, cachorro ou gato. Homem e Homem. Mulher e Mulher. Tias e sobrinhos que vivendo debaixo de um mesmo teto, participam da mesma economia doméstica, dentre muitas outras.
Enfim, todos que co-habitam no mesmo espaço, cada qual com uma função específica, que colaboram para a economia doméstica e estão ligados por laços de afeto, são FAMÍLIA.
DEFENDEMOS TODOS A FAMÍLIA, MAS QUE MODELO DE FAMÍLIA QUEREMOS DEFENDER? UM MODELO PATRIARCAL SAUDÁVEL, DEFENDEREMOS. MAS, SE FOR OPRESSIVO NOS MOLDES DA INDÚSTRIA, MELHOR ESCOLHERMOS OUTROS MODELOS. O DA VAQUINHA, OU OUTRO QUALQUER.
NÃO SE TRATA DE DEFENDER OU NÃO O MODELO BURGUÊS DE FAMÍLIA, MAS DE DEFENDER UMA FAMÍLIA QUE SEJA FUNCIONAL E SADIA, INDEPENDENTEMENTE SE É BURGUESA OU DE OUTRO TIPO.

XII. "Apesar da dificuldade em denominar alguém de cristão, sem precisar perguntar logo na sequência a que tipo de cristianismo ou cristandade tal pessoa pertence, já que existem inúmeras dissidências dentro do cristianismo, EU me professo cristão! Porque creio que apesar das diferenças e divergências, TODOS os cristãos se encontram e comungam, quando ajoelham aos pés da Cruz".

José Chadan

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Caricatura





* Caricatura feita por Armando Marcos. Veja também a página no face: Armando Marcos  caricaturas & ilustrações <https://www.facebook.com/armandomarcoscaricaturas>.

domingo, 3 de agosto de 2014

RELIGIÃO E SIMULACRO

Quando o uso dos símbolos religiosos serve para enriquecer nossa vida interior e quando apenas desvia nossa atenção para a ostentação e o embasbacamento

As igrejas neo-pentecostais, longe de serem autenticas e genuínas manifestações de fé, são simulacros. Muitas vezes a arquitetura simula uma ogiva medieval, ou um altar magnífico. Porém, o que saudosamente se busca, é um cristianismo que outrora, era praticado com verdade e singeleza.

As formas arquitetônicas, não poucas vezes, imitam a arquitetura antiga e medieval, mas não servem para trazer à tona uma fé viva. Tampouco a impressionante retórica do ministro o pode fazer.

As práticas mágicas e de milagres, servem apenas para reforçar que outrora, houve uma chama que se apagou para nós. O cristianismo atual não manifesta uma fé genuína, senão, que é apenas uma imitação e um simulacro daquilo que, quem sabe, um dia foi vivo no coração dos homens.

Cristianismo não se faz com igrejas magnificas, nem com rituais de cura, tampouco com sublevação dos ânimos. É claro que toda religião possui seus símbolos e precisa lançar mão deles. O problema é quando os símbolos já não "funcionam" mais. Se tornaram disfuncionais, pois ao invés de nos conduzirem para uma jornada interior, de auto-reflexão e, de busca espiritual, eles [os símbolos] são usados como meros apetrechos estéticos e de ostentação, com o objetivo único de impressionar.

Os símbolos religiosos, encontrados não só em igrejas, mas em templos budistas, vaishnavas e terreiros de candomblé, servem para a pedagogia espiritual do povo. Servem para ensinar as histórias para aqueles que, não tendo tido oportunidades, não puderam aprender a ler e escrever. É assim que surge, por exemplo, a figura do artesão medieval, para o qual, o pároco fazia diversas encomendas. Basta ir até uma Igreja católica e, mesmo que não se saiba ler, as imagens lhes contarão uma história: de alguém que carregava uma cruz nas costas ou de uma mãe que deu à luz mesmo se mantendo virgem. A estátua de Buda, é antes de tudo, pedagógica, pois ela ensina a todos que olham para ela, o caminho da ataraxia, da paz, e do desapego. E, assim ocorre com os diversos símbolos encontrados nas mais variadas religiões pelo mundo.

Quando um símbolo, como a imagem de um santo, um relicário, uma capela, mesquita, uma cruz ou uma ogiva no meio da nave da igreja, deixam de ter uma função pedagógica, isto é, de ensino (de apontar um caminho para a auto-reflexão, bondade e espiritualidade), então, ele deixa de ser um símbolo genuinamente religioso, com poder de ajudar as pessoas a se tornarem gente, e passa a ser mero enfeite e simulacro de algo que deveria ser espiritual, mas não é (se tornou mera matéria), que deveria ser pedagógico, mas não é (se tornou um objeto que confunde, leva ao entretenimento e não esclarece a pessoa que para ele "apela").


Em suma, eu diria que:


(i) Quando os símbolos (santos, cruz, água benta, e etc) nos conduzem para dentro de nós mesmos, eles estão ajudando-nos em nossa caminhada espiritual. Ajudando-nos a sermos melhores. A nos aproximarmos da Imago Dei (imagem de Deus).

Mas...

(ii) Quando os símbolos religiosos nos conduzem para fora de nós mesmos, apenas causando espanto, terror, embasbacamento, deslumbramento, eles estão na verdade, nos desviando do caminho. Estão tirando nosso foco - nossa busca espiritual de nos assemelharmos da Imago Dei (imagem de Deus).

Soli Deo Gloria,
José Chadan

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

DOS PÍNCAROS DA ABÓBADA CELESTE, EU VI – O POBRE CRISTO


Dos píncaros da abóbada celeste, eu vi
Os carrilhões da igreja de Cristo
Badalando na mesma batida de um coração quebrado
Que a essa altura, não discerne bem os sons

A partir daí, o drama da salvação se fazia, dentro de mim
Sofrendo chacotas ao carregar a cruz ao novo gólgota
A chamada – Caveira
Não mais a da Jerusalém terrestre, senão a do Brasil de hoje

Quando perguntado o povo sobre o condenado
Ele respondeu: José merece ser crucificado
Porém, não aos olhos de todos, mas sem alarde
Para que, não sendo visto, não fosse lembrado

Um tirano lavou as mãos, não foi possível ver-lhe o rosto
Por certo, era político
E o povo aplaudiu todo o cortejo

Deu-se então, a saber, a Via Dolorosa
De muitos Josés, vagabundos, putas e sem-teto
Crucificados às margens da cidade
Em todos eles, a marca de um rosto judiado, cristificado

Dos píncaros da abóbada celeste, eu vi
Os anjos tomando à mão os excluídos
Conduzindo-os à intimidade de seu Senhor
Que ao cumprimentá-los, em tudo se identificou
Mormente pelo calejo nas mãos e semblante caído

Abençoou-os e chamou-lhes felizes
Lembrou-lhes o Sermão do Monte
E da lógica divina que a tudo inverte

Outro anjo, que possuía a chave do livro
O teria aberto, mas não lhe foi permitido
Pois Deus fez as coisas fracas para confundir as fortes
E as loucas, perturbar a estultícia

A essa altura, já não se podia discernir
Se isto seria o delírio produzido pelo vinagre azedo
Ou pela alegria incompreensível de um
Profeta que tudo fez ao avesso

Dos píncaros do céu, eu vi
Os carrilhões da igreja de Cristo
Badalando na mesma velocidade que caminha um mendigo,
Uma puta, ou um sem-teto

Dos píncaros do céu, eu vi
“O Jesus crucificado”
Morador dos guetos, com cachimbos de vidro, qualquer sofredor ou novo leproso
Sem razão aparente, sorrindo –

Apesar de ter na palma das mãos, dois pregos
Que narravam através de cada tragédia pessoal
O drama do Cristo





José Chadan

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

CARTA AOS NOVOS HUMORISTAS BRASILEIROS

Surpresa é um componente do humor - Retirado da Wikipedia , verbete Humour.



 José Chadan



O humor é a faculdade humana capaz de fazer o homem rir – de si mesmo e dos outros. Mas não é um rir no sentido de zombaria, escárnio ou depreciação. Pode ser mesmo um rir em ver-se ridículo, mas nunca em depreciar-se ou depreciar o outro.
            O bom humor, o humor bem feito e de boa qualidade, caracteriza-se sobretudo pela catarse, que compreendida por Aristóteles e por toda a dramaturgia grega, seguia um duplo movimento: (i) rir de si, perceber o quão ridículo somos em determinados momentos e, (ii) ao rir-se, libertar-se e purificar-se de uma certa fixação em parecermos desta ou daquela forma.
O resultado final do bom humor e da catarse, seria, portanto, o alívio das tensões, uma certa leveza, purificação e a aceitação de dadas situações como eventos naturais ou algo que o valha.
Um exemplo de bom humor e catarse, para não nos delongarmos demais, seria: ao ver uma cena cotidiana, onde o homem, todo estabanado, não sabe como se declarar a sua amada (ao vermos tal cena, nos identificamos com o aspecto ridículo da cena, e nos sentimos mais leves, percebendo o quão natural isso é). Ou, contemplamos uma cena de dois amigos embriagados falando besteiras e, ao assistir tal cena, nos enxergamos neles, nos projetamos, sendo capazes de rir deles, mas também de nós mesmos e assim, tornarmo-nos mais leves e críticos em relação ao que nos faz de certa forma, ridículos.
            Contudo, não é isso o que vemos no humor que tem sido feito no Brasil. Não é bom humor, porque não é possível por meio dele, realizar o processo de catarse (leveza e purificação). O humor brasileiro, mormente o atual, é feito de grosserias, xingamentos, de rebaixar o próximo e etc. Não traz catarse nem para quem o faz, nem para quem o assiste. Satirizam a religião, as crenças mais profundas e sagradas de uma pessoa ou povo e, não!... não é feito com o intuito de enaltecer o homem ou entrever os meandros e modismos de determinado credo, mas é feito com a única intenção de fazer rir! Rir do quê? De nada. Rir sem propósito algum. Não há catarse (leveza e purificação) nisto!
            Semelhante são os casos onde o humorista se utiliza de figuras como uma pessoa com síndrome de down, etnia ou qualquer outro traço que a identifique em sua individualidade, simplesmente para satirizar sem nenhum outro propósito que a sátira por si mesma, a audiência e a fama!
            Os humoristas contemporâneos deixaram de consultar os mais velhos, aqueles que muito tempo antes deles terem nascido, já estavam rindo e fazendo rir. Mas não sem propósito e desmedidamente como fazem os humoristas atuais. Antes, produzindo catarse em seus ouvintes. Fazendo com que eles, ao verem-se ridículos, saíssem do espetáculo mais leves e purificados daquilo que antes, lhes parecia ridículo e demérito.
Os humoristas agiam em seus palcos como verdadeiros exorcistas, expulsando demônios de si mesmos e de seus ouvintes, por meio da dramaturgia e de risos – risos estes, não sarcásticos ou maliciosos, mas risos leves e que beiravam à confraternização de todos que em coro, juntavam as vozes para rir a mesma risada/gargalhada.
            E, aos que pensam que os tempos mudaram e que o humor de antes não pode ser o humor de hoje, vale lembrar a estes, de que a todo principiante em qualquer arte, é-lhe preciso consultar os doutores, senão por respeito, ao menos pelo Princípio de Autoridade. Para fazer bom humor, é preciso consultar primeiro aqueles que foram doutores na arte do humor. Não é preciso segui-los se não quiser, mas faz-se necessário ao menos consultá-los e tomá-los como a referência primeira de uma determinada arte, no caso, a arte de fazer rir – a arte do humor.
            Doravante, o bom humor se caracteriza fundamentalmente por provocar tanto no comediante quanto na plateia, o processo de catarse (purificação e leveza). Se a comédia não faz isto, ela não é e nunca será boa comédia! Não é e nunca será bom humor! E, note-se que mesmo o chamado “humor negro” pode produzir catarse, mas é preciso que seja feito com propriedade e muito respeito pela profissão e arte humorística.




LEIA TAMBÉM:

A POÉTICA – de Aristóteles.

INICIAÇÃO À ESTÉTICA – de Ariano Suassuna.

PEQUENO TRATADO DAS GRANDES VIRTUDES (sobre o humor)   de André Comte-Sponville.


segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Fragmentos do TGI de graduação em filosofia


José Chadan

2     BREVE PANORAMA DA HISTÓRIA DO CONCEITO DE INDIVÍDUO

2.1 Idade Antiga

Na história da filosofia, o indivíduo adquire dois sentidos[1]. O primeiro deles, a saber, seria o sentido lógico empregado por Aristóteles e segundo o qual, o indivíduo seria a espécie- resultante da divisão do gênero, e que não pode ser mais dividida, e nem servir de predicado a nenhum outro termo. O segundo, seria o sentido físico, também empregado por Aristóteles, que afirma de que a individualidade depende da matéria, ou melhor dizendo, da matéria enquanto substância indivisível.

2.2 Idade Média[2]

Na Idade Média por sua vez, o indivíduo foi tido como algo que é comum a todos, porém que é uno e singular; particular de cada um. Por exemplo: o nome de Sócrates se refere a este rosto e a este corpo.
São Tomás distingue duas espécies de indivíduos: o indivíduo vago, que é apenas aquele que é numericamente distinguível. Por exemplo: numa sala de aula onde há quarenta alunos, eu sou o de número vinte; e o indivíduo único, que se distingue dos outros pela sua singularidade. Por exemplo: entre tantos moços de vinte e dois anos, eu me chamo José Paulo, tenho tal cor, tal altura, tal jeito de ser e etc. Tomás afirma também de que não é da matéria comum que depende a individualidade, por exemplo, o corpo (já que todos os homens possuem um), mas que é da matéria singular caracterizada por suas dimensões (tal corpo e tal forma).
Duns Scotto acrescentará ao dito de Tomás e dirá que, nem só pela matéria e nem só pela forma a individualidade se define, mas pelo composto das duas, que são a riqueza de suas determinações.
Cabe frisar aqui, as similaridades entre esse tipo de definição do indivíduo, como algo dependente do composto entre matéria e forma, das infindas, ou melhor dizendo, das muitas determinações do indivíduo, com a noção de indivíduo na filosofia moderna, como em Schoppenauer, por exemplo.
Mas a parte as digressões, sigamos o caminho. Falemos agora da corrente agostiniana e de seus pilares acerca do indivíduo. Boaventura diz ser o indivíduo a comunicação entre matéria e forma, não fugindo muito das definições elaboradas por filósofos anteriores a ele. Ockham, que aderiu à corrente nominalista, negara a matéria ou a substância comum, afirmando de que as coisas são indivíduos por si mesmas, pelo simples fato de se diferenciarem das outras. No fundo, Ockham parece dissipar o problema da universalidade, e por conseguinte, da individualidade, pois dissipar a universalidade é consequentemente, dissipar a individualidade, que embora opostas uma à outra, elas não podem existir separadamente. A universalidade não pode existir sem a individualidade e a individualidade não pode existir sem a universalidade. E se eu afirmo, como Ockham, de que a universalidade não existe, isto é, não faz sentido, eu já não posso falar em individualidade; e se ouso falar, estou falando de qualquer coisa, menos de individualidade. Quero frisar com isso de que se a universalidade não faz mais sentido, a individualidade também não o faz.

2.3 Idade Moderna[3]

Leibniz, o filósofo que expôs um novo conceito de substância o qual denominou mônada, a fim de não causar confusão, afirmou ser impossível determinar um indivíduo tomando como ponto de partida os outros indivíduos. O filósofo diz, de que precisamos partir de dentro, ou melhor, do próprio indivíduo, a fim de entendê-lo. Pois as mônadas tem afecções que lhes são próprias. Elas são únicas, se bastam a si mesmas e são, por assim dizer, um mundo à parte. E se há interferência duma mônada na outra, é apenas por causa da ordem ‘vertical’ estabelecida por Deus, o que significa, que uma mônada não interfere de fato na outra, pois Deus, que programou o relógio monadológico, já previa tal ação e tal reação. Visto por esse prisma, as mônadas foram programadas e estão em constante harmonia umas com as outras. Vê-se aqui, pela primeira vez na história da filosofia, o conceito de subjetividade, segundo o qual o homem é ele mesmo, fundamento de seus atos e representações;   autonomia, pois as mônadas se bastam a si mesmas; e independência, sendo cada uma delas um indivíduo e sem conexão direta com nenhuma outra mônada. A filosofia leibniziana, marca o nascimento do individualismo e do sentido ético mesmo, que tal filosofia carrega ( o indivíduo fechado em si mesmo e submisso à sua lei, a fim de harmonizar-se com os demais).
Acontece então, algo na história da filosofia que continuará até a modernidade: O cuidado de si não é mais incompatível com a ordem racional do mundo. Eis o indivíduo, programado à realizar sua essência num mundo igualmente pré-estabelecido e cheio de individualidades pré-estabelecidas. Eis Hegel, levantando sua bandeira, ou melhor, erigindo seu “castelo” (mas falemos dele depois).
A definição leibniziana se assemelha a de Scotto, que ao colocar em questão a relação e composição entre matéria e forma de cada ser, tira de cena [ainda que não totalmente] a universalidade, tornando possível o pensar a individualidade. Eu diria que para Scotto, a singularidade deve ser pensada segundo a particularidade.
Wolf fala que o indivíduo é aquilo que é único e determinado em todos os aspectos. Wolf se assemelha então a Leibniz e a Scotto em sua definição, aliás, a definição de Wolf na verdade, é um desdobramento da definição de Scotto. Tal definição foi adotada pela filosofia moderna; segundo a qual o indivíduo é algo infinitamente determinado.
Contudo, deve-se notar o fato destas soluções serem na realidade, negações do problema do indivíduo. Problema este, que desaparece na filosofia moderna; para a qual, a questão da substância ontológica perde o sentido.
Entra então no cenário filosófico o famoso e ilustre Hegel, a definir todos os conceitos incompletos e arrumar para eles, um lugar no seu imperioso Sistema. Hegel distinguirá o indivíduo universal do indivíduo particular. O primeiro sendo o espírito auto-consciente; a consciência mesma, ou o pensamento, que tendo feito a trajetória desde os pré-socráticos até ele, Hegel, passara pelo processo do conhecimento, ou seja, entre teses, antíteses e sínteses, passara do não-saber ao saber, adquirindo com isso, infinitas determinações- até que um dia culmine no Espírito Absoluto; se é que já não culminou(?). A história do saber, alcançou Hegel (o último dos filósofos) e cessará com ele (ele afirma). E o indivíduo particular, o espírito não acabado, isto é, os fatos históricos que não comportam tudo, mas apenas aspectos do grande Sistema. O espírito não acabado é apenas determinado sob um aspecto, enquanto que o espírito auto-consciente é infinitamente determinado. Imaginem o espírito auto-consciente como um quebra-cabeça inteiro e o espírito não acabado, apenas como parte dele. Hegel se apropria da teoria leibniziana, e une, por assim dizer, indivíduos e uma Razão universal que os guia numa determinada direção; a diferença é que enquanto Leibniz concebia essa Razão como ‘vertical’, Hegel a traz para a imanência, de acordo com a sua lógica triádica.

2.4 Idade Contemporânea[4]

Na filosofia contemporânea, não faz mais sentido falar num indivíduo do tipo aristotélico, ou até hegeliano; ou seja, não faz mais sentido falar em indivíduo no sentido clássico da palavra. Pois o que acontecia na tradição clássica, ou para ser mais específico, em Leibniz e Hegel, é que o indivíduo não era completamente indivíduo; de algum modo, ele dependia do todo, de uma ordem universal, dos outros e assim por diante.
Mesmo Bergson, fala da impossibilidade da individualidade se realizar plenamente. O indivíduo, segundo Bergson, não é plenamente determinado; e sob este enfoque, o Espírito Absoluto do qual nos fala Hegel, é inatingível, e sendo inatingível, não faz sentido falar nele, pois o conceito se torna inútil quando se torna inatingível, inacessível e incompreensível... quis dizer, inacessível.
Por fim, na filosofia contemporânea, o indivíduo é definido segundo a ciência ou o método que o analisa: Na política, é a pessoa; na biologia, é o organismo ou a célula; e etc. O que concluímos além disso, é que, as ciências do espírito, tais como a política, a sociologia, a história, tem um caráter individualizante e as ciências naturais, tais como a biologia e a física, tem um caráter generalizante. E do ponto de vista histórico, o indivíduo é visto distintamente dos indivíduos com os quais estabelece uma relação causal. O indivíduo é visto em sua singularidade e não-repetibilidade, seja esse indivíduo um fato, uma pessoa, uma instituição etc.
  

3.   A VIDA DE SÖREN AAYBE KIERKEGAARD E OS REFLEXOS DESTA EM SUA OBRA[5]

Sören Kierkegaard nasce no dia 5 de maio de 1813 em Copenhague, na Dinamarca. Sétimo filho de Pedersen Kierkegaard, que trabalhara com malharia, mas aos quarenta anos se afastara do comércio. Que nutrira também, interesses por filosofia, religião e teologia. Seus filhos morreram todos, restando-lhe apenas dois: Peter e Sören. Peter tornou-se pastor e depois bispo em 1856; e Sören, apesar do sucesso nos estudos, permaneceu escritor. O pai Pedersen, falecera em 1838.
A filosofia de Sören Kierkegaard, é fruto de toda sua vida; de sua própria existência. Um dia, Sören descobriu (mas ele não relata como) que seu pai (a quem Sören tinha em alta-estima como irrepreensível), pecara gravemente contra Deus. No primeiro ano após a morte de sua primeira mulher, que não lhe dera filhos, Pedersen, casa-se com a criada, que dá luz a filhos dois meses depois. Pode-se supor aí, e friso, supor, um caso de estupro. Por esta descoberta, Sören em 1836 rompe com o pai, deixando de lado os estudos de teologia e se dedicando a literatura à moda estética de seu tempo, assim como se entregando a uma vida de libertinagem.
Porém, Sören, reconcilia-se com o pai, um pouco antes que este morresse e escreve em seu diário: ‘ Ele morreu não para mim, mas por mim, a fim de que, se possível, alguma coisa ainda possa sair de mim’ II, A, (243). Então, ele retorna aos estudos de teologia; o qual conclui em 1840. Defendendo sua tese ‘ O Conceito de Ironia Constantemente Referido a Sócrates’ no dia 29 de setembro de 1841. em seguida, ocorre o fracasso de seu noivado com Regine Olsen; moça dezoito anos mais nova que Kierkegaard; o qual ele conhecera em 1837. Kierkegaard achava impossível manter a relação, pois para ele, num matrimônio não deveria haver segredos. E ele, jamais conseguiria lhe falar sobre o segredo de seu pai e sua vida libertina que tivera outrora.
Após o rompimento do noivado, Kierkegaard vai à Berlim assistir os cursos de Schelling, que discursava sobre a união entre o pensamento e a realidade. O filosofo dinamarquês então, inspirado por essa fonte, buscará uma filosofia que expresse sua experiência pessoal nos diferentes níveis da existência. E buscará romper também os limites antigamente estabelecidos entre filosofia, teologia e literatura.
A produção da obra de Kierkegaard vai de 1843 à 1846. Em 1845, tendo sua obra como acabada, Kierkegaard cogita o pastorado, porém desiste; pois O Corsário (jornal da época) satirizava homens que cumpriam seu dever para com o Estado. Nos anos de 1847 à 1851, publica escritos cristãos e em 1854, artigos contra a igreja luterana dinamarquesa. E no dia 2 de outubro de 1855, Kierkegaard desmaia no meio da rua e é levado para o hospital. Morre em 11 de novembro, sem que os médicos detectem a causa da sua morte.
Kierkegaard, partindo dos seus problemas pessoais (como fora dito anteriormente) questionou-se acerca do que é ser cristão; acerca de como assumir o cristianismo herdado por seu pai; de como superar o noivado fracassado; de como o sofrimento pode ser encarado como um bem, assim como o prega o cristianismo; e tudo isso se resume em: como compreender a existência, ou, como compreender-se na existência. 
E apesar de Sören investigar acerca da existência e de temas concernentes a ela, Sören nunca quis ser chamado filósofo; pois ele se considerava um autor religioso. Há um livro, no qual ele expressa bem sua posição; que é:  Ponto De Vista Explicativo Da Minha Obra Como Escritor. Nele será abordada a questão do indivíduo e como ele a compreendia.
O individuo, tema principal na obra kierkegaardiana e que está presente nela de ponta-a -ponta. O indivíduo é o sujeito capaz de ser moldado; capaz de assumir responsabilidades; capaz de se apropriar duma verdade e viver segundo ela. O indivíduo é o oposto da multidão, da massa. A multidão é um corpo que não possui mãos ou braços, incapaz de assumir responsabilidades ou de se apropriar duma verdade subjetiva. A multidão é a fonte da mentira. Ora, nenhum soldado se atreve a levantar a mão a Caio Mário,- diz Kierkegaard- mas se fossem muitos, o fariam! Se todos agem, é como se ninguém agisse, pois é somente quando um age, que tal se responsabiliza, não podendo se desculpar dizendo: ‘eu não fiz isso, foi ele’. A massa no melhor dos casos, reparte a culpa entre todos os indivíduos de modo a minimizá-la ao máximo.
Dito isto, Sören mostrará que as instituições são formadas pela massa e tal, não tem poder de reflexão. Qual a diferença entre o campo político e religioso? Afirma Sören: é o fato de que, apesar de ambos buscarem a igualdade entre os homens, um o busca no plano material e fracassa e outro o busca no plano espiritual e tem êxito. Pois a igualdade entre os homens deve ser buscada não no seu ser animal, mas no seu ser espiritual, visto que o primeiro difere em muitas coisas uns dos outros e o segundo se nivela em e a todos, na medida de que somos todos pecadores e necessitados do auxílio e do perdão divinos.
            Na busca pela igualdade entre os indivíduos, a qual, diz o filósofo dinamarquês, só é possível no plano religioso, adentrará a questão da Verdade. A Verdade é interior de cada um, e também subjetiva de cada um. A Verdade é a maneira como Eu, indivíduo singular, me aproprio subjetivamente do mundo no qual vivo; é também Cristo vivo nos corações, mas mais propriamente, no meu, e como eu O percebo. A Verdade é tudo o que diz respeito a minha particularidade, interioridade e subjetividade enquanto individuo. As questões à partir daí suscitadas são: como se dá a relação Indivíduo/Verdade ou Indivíduo/Absoluto e se é justo que alguém se deixe morrer pela Verdade.
Sobre todas essas questões trataremos adiante...


5.CONCLUSÃO E SUGESTÕES PARA FUTUROS ESTUDOS

O indivíduo é o conceito fundamental da filosofia kierkegaardiana; a qual, se preocupa em dizer, como  ele, isto é, o Indivíduo, vive, existe, apreende para si uma verdade que dê sentido a sua vida e etc. O indivíduo por assim dizer, perpassa toda obra kierkegaardiana; desde o estágio estético até o religioso; e tais, também perpassam o indivíduo; posto que esses estágios não são de modo algum uma espécie de evolução, uma escada que, logo após tê-la subido, se joga fora. Porém, tais estágios estão sempre presentes na vida do Indivíduo; o qual está ao mesmo tempo no estético, no ético e no religioso. Isto porque, nem um dos estágios é bom ou ruim em si mesmos; eles são bons ou ruins, dependendo da co-relação que o próprio Indivíduo faz deles.[6]
Os arquétipos dos quais Kierkegaard se utiliza, servem muito bem, para demonstrar o que são os estágios; quais podem ser os estilos de vida do Indivíduo que neles está e por fim, qual deve ser ‘a saída’ a fim de que se supere tal estágio. Não que o Indivíduo esteja num estágio especifico (volto a repetir), mas que ele está sim, nos três, contudo, manifesta claramente atitudes de um ou outro estágio; estando nos três ao mesmo tempo, e em um de maneira mais enfática e especifica. Como se o indivíduo ético, por exemplo, vivesse nos três estágios, e no entanto, como o estético foi re-apropriado e o religioso ainda não foi totalmente apropriado, ele vive por assim dizer, uma vida, estético-religiosa-ética. Onde os elementos do estagio estético estão presentes de modo redimido, re-apropriado, digamos, reformulado, e os elementos do religioso também estão presentes, mas de modo não totalmente apropriados; digamos então, de modo postulado ou concebido. E somente o elemento ético predomina, sendo este de fato apropriado e vivido pelo indivíduo.
Considerando o indivíduo mais de perto e o estudo de Kierkegaard sobre este, vemos que no fim das contas o que o Filósofo quer para o indivíduo, independente dele viver mais em um ou outro estágio, é que ele ache um sentido para sua existência. Que ele ache a idéia pela qual ele deseje viver e morrer. Que a partir dela, ele se aproprie subjetivamente do mundo e das coisas e viva! Viva, segundo a idéia que o motiva a viver. Kierkegaard quer vida subjetiva, vida interior, vida que busca a Verdade e, portanto, vida que vale a pena ser vivida.
Embora tenhamos tratado aqui do Indivíduo e dos estágios, alguns conceitos poderiam ter sido abordados neste trabalho; mas que não o foram, devido a falta de tempo e de profundidade no assunto. E o primeiro deles a saber, é o conceito de Massa do qual fala Kierkegaard. A massa que é contraposta ao Indivíduo. Fala-se um pouco dela em Pontos Explicativos Da Minha Obra Como Escritor, e uma das coisas que se diz é que enquanto que o indivíduo assume totalmente a responsabilidade pelos seus atos, posto que foi ele e não outro que o praticou, a massa não o assume. Na massa, ou todos se tornam magicamente inocentes, ou dividem, isto é, repartem a culpa entre si, reduzindo-a, o que também é mágico e absurdo.
À primeira vista, parece que Kierkegaard está falando de massa, assim como de irresponsabilidade e de Indivíduo, assim como de responsabilidade; a massa como portadora da mentira e o Indivíduo, como único portador da Verdade; pela qual ele dá sua própria vida, ou pela qual ele está disposto a viver e morrer; o mote da sua existência, digamos. O conceito de massa se encaixaria então em ‘O Indivíduo e A Sociedade’ (se aqui fosse inserido).
Além do conceito de massa, deveríamos passar ao capitulo ‘O Indivíduo E A Verdade’; no qual, inseriríamos os conceitos de cristicidade, cristandade e cristianismo. Cristicidade, como algo que se refere à existência, à interioridade, a vida cristã. Melhor dizendo, se refere ao apropriar-se subjetivamente do mundo e das coisas e ao encarar a vida de maneira cristã e existencialmente cristã. A cristandade por sua vez, seria o mundo cristão, o povo este ou aquele, que se diz cristão, ou formado por cristãos; a nação cristã; os que partilham a mesma fé em Cristo. Por fim, o cristianismo, sendo a própria religião; o conjunto de dogmas e doutrinas delineadores do modo de pensar e agir cristão.
A impressão que se tem em relação a tais conceitos, é de que a distinção entre eles é fundamental e que Kierkegaard só os diferencia por estar preocupado com um único conceito: o conceito de cristicidade. Ser cristão para Kierkegaard não tem nada haver com pertencer a este ou aquele grupo que se reúne periodicamente neste ou naquele lugar; tampouco haver com o conjunto de doutrinas e à regras de condutas; mas tem haver sim, com a atitude existencial, com o apropriar-se da idéia de ser cristão e a partir disso, viver como cristão. Significa achar uma verdade que seja verdade para mim. Achar a idéia pela qual eu, um indivíduo, deseje viver e morrer.
  

 6     BIBLIOGRAFIA

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            KIERKEGAARD, Sören. Quatro Discursos Edificantes de 1843. Trad. Levinspuhl, Henri Nicolay, 1964.
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KIERKEGAARD. Os Pensadores. Abril Cultural, 1979.
KIERKEGAARD, Sören. Ponto De Vista Explicativo Da Minha Obra Como Escritor. Trad. Gama, João. Ed. 70, Lisboa, 1986.
            KIERKEGAARD, S. Aaybe. Either/Or (Part II). Trans Howard & Edna Hong Princeton, NJ: Princeton University Press, 1987
KIERKEGAARD, Sören. Temor e Tremor. Trad. Guimarães, Rio de Janeiro: Torrieri. Ediouro, [199?].
            KIERKEGAARD, Sören. É Preciso Duvidar de tudo. Trad. Sampaio, Sílvia Saviano; Valls, Alvaro. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2003.
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PAULA, Márcio Gimenes de. Socratismo e Cristianismo em Kierkegaard: o escândalo e a loucura. São Paulo, 2001.
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            WEISCHEDEL, Wilhelm. A Escada Dos Fundos Da Filosofia. Trad. Gil, Edson Dognaldo. São Paulo: Ed. Angra, 2001.
                                  







[1] C. f. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Bosi, Alfredo e Benedetti, Ivone Castilho. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 555.
[2] Ibid., p. 555, 556.
[3] C.f. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Bosi, Alfredo e Benedetti, Ivone Castilho. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 556. 
[4] C.f. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Bosi, Alfredo e Benedetti, Ivone Castilho. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 556.
[5] C. f. GARDINER, Patrick. Kierkegaard. Trad. Vilela, Antônio. São Paulo, 2001, p. 9-39.
[6] É oportuno dizer de que, quando o indivíduo passa do estágio estético para o ético, ele não lança fora o estético; antes, o redime, se re-apropriando dele sob uma nova forma. Da mesma maneira, quando ele passa do estágio ético para o religioso, ele não joga fora o ético, mas se re-apropria dele sob uma nova forma. Tais, podem ser exemplificados por indivíduos estético-éticos ou ético-religiosos ou até mesmo, estético-ético-religiosos, mostrando como estes três estágios estão sempre presentes na existência do indivíduo.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

AGORA JÁ NÃO É ASSIM

* Lembranças de um poema perdido.


Quando você era menor, tudo lhe era novo
Seus pés corriam soltos e sua roupa gritava a liberdade
Mas agora já não é assim

Sua fé foi colocada numa rocha
E como âncora, salvou uma alma de morrer
Mas agora já não é assim

Generosamente, auxiliava a todos
Não havia faltas se você estivesse presente
Mas agora já não é assim

Repartia o que possuía entre os pobres
E, mesmo quando ficava de bolsos vazios, todos viam que você era muito rico
Mas agora já não é assim

Amigo, você me deixaria se isso lhe fosse vantajoso?
E, mesmo antes da resposta, você já havia partido
Mas eu nunca vi alguém mudar tanto assim


José Chadan